Os Núcleos de Base (NB) são a forma de organização de núcleos por área de atuação da militância. Podem ser organizados por local de moradia (bairros, associações comunitárias), trabalho (fábricas, lojas, supermercados, sindicatos, serviço público), estudo (educação básica, profissionalizante e superior, grêmios estudantis, centros acadêmicos, DCEs), movimentos sociais, espaços de luta comum etc.Através de cada núcleo, os militantes discutem e analisam a realidade de sua área de atuação/vivência e elabora os planos de ação para o partido. A organização de base é a atuação do partido com ligação direta nos diversos espaços sociais.
No entanto, a função dos núcleos de base não é a de voltarem para si mesmos suas discussões e decisões. Elas têm o objetivo de ligar tais questões e realidades específicas à realidade geral agregada no partido como um todo, para que o partido possa desenvolver um programa de lutas e estratégias de ação calcadas nas diversas experiências e espaços da sociedade.
O texto abaixo foi elaborado por Plínio de Arruda Sampaio, em meados de 2007, como subsídio para discussão interna do PSOL quanto à necessidade e importância de organizar no partido os Núcleos de Base.
O LUGAR DO NÚCLEO DE BASE NA
ESTRUTURA DO PSOL
1. O Núcleo de Base (NB) cumpre,
na estratégia socialista, quatro funções principais:
- viabilizar a participação efetiva de
todos os militantes nas decisões de todas as instâncias partidárias;
- articular, nos
diversos meios sociais em que o partido atua, a ação política e a ação cultural
voltadas para a conquista da hegemonia dos valores e propostas socialistas na
sociedade - condição esta da liberdade das pessoas e da democracia na transição
socialista;
- tornar-se a
referência do PSOL, no meio social sob sua responsabilidade, tanto em relação
às atividades de reivindicação como nas campanhas eleitorais;
- constituir a base
da prática formadora de militantes socialistas.
2. A primeira condição para o
cumprimento dessas funções é a clara delimitação do meio social de
responsabilidade de cada NB.
Pela expressão
"meio social" entende-se o ambiente em que as pessoas se
inter-relacionam com outras diretamente no quotidiano de suas vidas.
São sempre vários os
meios sociais em que uma pessoa vive. Um deles, contudo, é aquele que mais
influencia seu modo de vida e seu modo de pensar. Este deve ser considerado,
para os efeitos da militância política, o seu meio social. Ali deve ser o
centro principal da sua atuação política.
Exemplos de meios
sociais propícios à constituição de NBs do PSOL são: o bairro de uma cidade
grande ou parte dele, se este também for muito grande; o território de uma
cidade pequena; um distrito rural; uma fábrica; um hospital; um sindicato; uma
faculdade.
Também devem ser
considerados "meios sociais", para os efeitos da nucleação do
partido: um bar, parque ou local freqüentado por uma clientela constante; uma
"tribo" de Internet.
Em resumo: todo
conjunto de pessoas que partilham uma condição de vida mais ou menos homogênea
ou interesses comuns, convicções mais ou menos coincidentes, também constituem
"meios sociais", para os efeitos de implantação do partido na
sociedade brasileira.
Isto decorre
fundamentalmente do fato de que, nesta sociedade, as pessoas vivem isoladas.
Dado esse isolamento, elas (especialmente as que vivem em grandes cidades)
tendem a criar grupos de interesses, fora de seus locais de moradia e de
trabalho.
Esses grupos passam a
ser os principais organizadores da sociabilidade de seus integrantes. Exemplos:
sociedades religiosas; sociedades de diabéticos; associações de pessoas que
requerem hemodiálise; clubes de amantes da pesca etc.
A exata compreensão
da heterogeneidade dos meios sociais em que as pessoas, de fato, se socializam,
assim como da importância crucial que tais meios têm para a formação da sua
visão de mundo, constitui um elemento fundamental para a estrutura de
organização do PSOL.
É urgente, portanto,
desenvolver a teoria e as técnicas de identificação dos diversos "meios
sociais" e das dinâmicas de interação de seus membros.
3. As Direções Municipais deveriam
responsabilizar-se pelo estudo da realidade do município e, com base nesse
conhecimento, planejar a constituição dos NBs.
Até hoje, os partidos de esquerda organizaram
seus núcleos de filiados em função de dois critérios: o local da moradia ou do
trabalho. Acontece que, na vida real, há muita gente que não convive nem em um
nem em outro desses locais. É inútil, do ponto de vista do esforço de
divulgação da proposta socialista, reunir pessoas para formar um NB em um
bairro no qual elas, de fato, não convivem. O certo é que cada um deles se
integre ou procure formar um NB no meio social em que realmente conviva com as
demais pessoas.
4. Não há necessidade de um grande número
de militantes para formar um NB.
Um grupo de 3 pessoas já é
suficiente para esse fim. Não se deve confundir, nessa matéria, o número de
pessoas de um núcleo e o número necessário para eleger delegados às Plenárias,
Convenções, e Congressos do partido. Este é um problema burocrático, que pode
ser facilmente resolvido, estabelecendo com que núcleo um NB de pequeno porte
deve juntar-se para cumprir o número mínimo de votos estabelecido para a
eleição de delegados.
5. O NB precisa reunir-se com regularidade, a fim de que
seus membros organizem suas agendas de modo a incluir o comparecimento às
reuniões na rotina de suas vidas. Por isso, o espaçamento das reuniões não deve
ser muito grande. Não há necessidade, contudo, de que todos os NBs. obedeçam à
mesma regularidade. Nessa matéria, tudo deveria depender da dinâmica específica
do meio social sob responsabilidade do núcleo.
6. O militante vai para as reuniões do seu NB a fim de
debater e votar individualmente:
- questões do âmbito
do próprio NB;
- questões sobre as
quais a Direção Municipal e os Vereadores terão de se posicionar;
- questões do mesmo
tipo referentes à Direção e à bancada de deputados do seu Estado;
- questões referentes ao Diretório, Executiva e
bancada federal.
Esses itens devem
constar, normalmente, das reuniões ordinárias dos NBs.
Antes do
desenvolvimento da comunicação eletrônica, era impossível votar a respeito de
decisões que escapam ao âmbito local, a fim de determinar a posição das
instâncias superiores sobre as matérias em pauta. A delegação desse poder a representantes
eleitos para a direção do partido ou para os parlamentares tinha de ser ampla.
Hoje, não. Com a Internet, não há mais justificativa para tal amplitude. Em
princípio, tudo pode ser submetido à votação de cada militante, seja antes do
posicionamento dos representantes, seja posterior a ele, mediante referendo.
Esta será a novidade
do PSOL - a única maneira de evitar que repita as tristes trajetórias dos
partidos socialistas do passado.
Como toda coisa nova,
não será fácil implantar essa nova forma de partido. Mas o desafio está posto.
O resultado da
votação realizada no NB. deve ser comunicado imediatamente à instância
pertinente, a fim de totalização e de fixação da posição partidária em relação
à matéria examinada - posição esta que deverá ser obrigatoriamente assumida
pelos integrantes dessas esferas superiores de coordenação partidária.
Sem votar a respeito
de matérias que vão além das reivindicações do seu bairro ou da sua fábrica, os
NBs tenderão a se esvaziar, passando a constituir meras ficções jurídicas,
requeridas pelo Estatuto para que os militantes participem das convenções
partidárias - uma exigência da Justiça Eleitoral burguesa.
O material
informativo necessário para o debate e a formação da convicção pessoal de cada
militante no NB. a respeito de um assunto deveria ser fornecido pela instância
encarregada de tomar posição diante dele. Mas, durante o prazo de debate da
matéria, todo militante e todo NB deveria ter plena liberdade para enviar
matérias divergentes do material enviado pelas instâncias superiores.
Não se deveria
admitir a sonegação do material divergente, mas, obviamente, isto só será
possível se formos capazes de desenvolver uma ética socialista em contraposição
à ética corrompida da cultura política tradicional.
PLANEJAMENTO DA CONSTITUIÇÃO DE
NÚCLEOS DE BASE
1. A constituição de NBs. tem sido
deixada meio ao acaso, dependendo o recrutamento de novos militantes das
relações pessoais dos atuais membros do partido. Esse espontaneismo representa
uma grande perda de energia. A rede de NBs. deve ser planejada com visão
estratégica, a fim de atingir objetivos bem claros de expansão do partido.
Constitui, portanto, tarefa de todo o conjunto dos militantes de um município.
2. A primeira etapa desse processo de planejamento deveria
ser o conhecimento da realidade econômica, social e política do município.
Há necessidade,
portanto, de um estudo sistemático dessa realidade. Tal estudo deverá ser realizado
pelos próprios militantes, com eventual (mas não indispensável) auxílio de
especialistas.
Obviamente, não se
trata de um estudo acadêmico.
Para ser eficaz,
precisa ter um objetivo claro: trata-se de definir, da forma mais precisa
possível, de que modo a luta de classes configura-se concretamente no
município.
Só dessa maneira será
possível superar uma limitação muito comum do discurso da esquerda, que
consiste em apresentar a luta de classes de modo tão genérico que ela se
converte em um conceito abstrato, sem conexão com as estratégias e táticas que
precisarão ser desenvolvidas para que a proposta socialista se enraíze na
cultura política do povo.
O enfrentamento do
PSOL com a classe dominante - única justificativa para a existência do
partido - é um processo de longo prazo
que se desenvolverá por meio de uma miríade de pequenos enfrentamentos locais,
os quais servirão para debilitar o adversário e para forjar uma força política
apta a substituí-lo na direção política do país.
A condição para que
esse estudo produza um conhecimento real da situação da cidade, é o domínio,
por parte dos militantes, dos conceitos teóricos e das técnicas de pesquisa.
Caberia às Secretarias de Formação proporcionar esses elementos.
3. Encerrado o estudo, passar-se-ia à
etapa de planejamento propriamente dito. Caberia então à direção municipal
estabelecer o procedimento adequado para estabelecer os objetivos e as
estratégias de criação de NBs., no contexto do Plano de Ação do partido no
município.
Sempre que possível,
dever-se-ia sintetizar os resultados o estudo em um Relatório escrito, a fim de
criar um termo de comparação entre o grau de conhecimento inicial do partido, a
respeito da realidade do município, e o conhecimento que for adquirindo à
medida em que for se consolidando.
O Plano deveria ter
objetivos, metas e prazos bem definidos, a fim de constituir efetivamente um
termo de referência das atividades do partido na localidade.
4. A terceira etapa do processo de
constituição de NBs consistiria em capacitar os militantes para atuar com
eficácia no seu meio social, tendo em vista, muito especialmente, que sua
atuação se dará em uma sociedade de massa.
As sociedades de
massa caracterizam-se pelo reduzidíssimo numero de pessoas que têm condições de
se dirigir ao conjunto da sociedade. A grande maioria - o homem-massa - comunica-se apenas com as
pessoas de sua família; seus vizinhos de rua; seus colegas de trabalho. Não
fala para a sociedade global
Sua fala não vai além do restrito círculo de pessoas com as quais
convive. Mas esse homem-massa
recebe permanentemente, via radio e televisão - e agora dos grandes portais de
Internet -, o discurso dos grupos que detém o monopólio da fala para o conjunto
da sociedades.
Convivendo em seu
restrito círculo de suas relações, o homem-massa adquire uma série de
conhecimentos e valores. Essa bagagem cultural não é suficiente para
permitir-lhe formar um juízo esclarecido sobre a realidade global da sociedade.
Essa informação sobre a esfera mais ampla da sociedade em que ele vive e da
qual depende, ele a recebe através dos meios de comunicação de massas.
Todos sabemos que
esses meios - a voz das minorias que tem o poder de fala para o conjunto - transmitem uma visão
distorcida da realidade.
Acontece que essa
mensagem enganosa atinge todos os homens-massa, e, portanto, todas as pessoas
do seu reduzido círculo social.
Desse modo, a visão
deformada da realidade passa a fazer parte do senso comum de todas as pessoas
do seu meio social, bloqueando a informação em sentido contrário, por parecer
absurdo que alguém contrarie o que é natural.
Por exemplo: a mídia
burguesa, sem exceção, mostra a realidade cubana de uma forma completamente
deformada. Quando o assunto vem à
baila no bar, na fabrica, na reunião de família, todos os presentes terão
recebido a mesma informação e todos dirão que Cuba é um horror. Na mente do
homem-massa, esse juízo torna-se verdade absoluta e ele, inconscientemente, torna-se um veículo
dessa deformação da realidade.
O PSOL não tem a
menor condição de montar um dispositivo de comunicação de massas minimamente
capaz de se emparelhar com o monstruoso dispositivo da direita. Mas tem
condições de interferir nas mensagens transmitidas, por meio de militantes
inseridos nos diversos meios sociais em que o partido tiver um NB. Cabe aos
militantes desses núcleos anular os efeitos da informação mentirosa com a
informação correta proporcionada pelo partido. Isto potencializará o alcance
das pequenas publicações e dos jornais sérios.
O tipo de atividade
política do militante do PSOL aqui descrito exige sua inserção na vida
quotidiana do seu meio social.
5. A quarta etapa desse processo de
planejamento diz respeito à inserção dos militantes do NB no meio social sob
sua responsabilidade.
Esta tem consistido,
até hoje, uma das grandes deficiências da nossa esquerda, especialmente no que
se refere à sua atuação dos seus militantes de classe média.
De modo geral,
pode-se dizer que essa categoria de militantes (que compõe a maioria dos
membros das instâncias diretivas, e, de certo modo, monopolizadores debate
interno) tem pouquíssima presença em seus meios sociais e não são vistos neles
com simpatia, porque sua atividade política limita-se a tentar convencer
pessoas praticamente desconhecidas e preocupadas com outros assuntos, a pauta
política partidária. Não há dúvida de que a tarefa do militante consiste
precisamente em introduzir uma problemática distinta da habitual entre as
pessoas do povo. Mas há nessa tarefa uma palavra-chave: "intermediação
cultural".
Intermediação
cultural requer conhecimento sistemático da visão das pessoas do seu meio
social. Mas, tal conhecimento servirá de muito pouco, se o militante do PSOL
não for reconhecido pelos integrantes do seu meio social como um dos seus. Isto
requer: presença nesse meio; vivência dos seus problemas e dramas; participação
nas reivindicações coletivas; solidariedade e coragem nos momentos difíceis;
espírito aberto e convivência alegre; e, sobretudo: coerência entre o discurso
e a pratica da sua vida pessoal e familiar - virtudes humanas que fazem de uma
pessoa uma "referência" em seu meio social.
Desenvolver essas
virtudes é tarefa do NB e, sem que isto aconteça, nenhuma teoria e nenhum
método, por corretos que sejam, conseguirá realizar a tarefa de neutralizar o
discurso da direita.
O CARÁTER EXPERIMENTAL DA
FORMAÇÃO DOS NÚCLEOS DE BASE
Como se vê, a construção de uma rede
de NBs. é uma tarefa de longo prazo que envolve todos os setores e instâncias
do partido. Trata-se de uma tarefa nova, que envolve teoria e prática. As
formas utilizadas pela esquerda brasileira até hoje não se ajustam mais à
realidade do mundo atual. Precisamos experimentar novas formas de recrutamento
e nucleação de militantes, bem como novas formas de atuação política junto à
massa popular. É uma tarefa de longo prazo, pois todos sabemos que leva muito
tempo para formar um militante socialista.
Não cabem dogmatismos
nessas matérias. Pelo contrário, é preciso deixar um espaço importante para a
criatividade dos militantes e, portanto, favorecer a experimentação, as
revisões, os reajustes.
A concepção, aqui exposta em suas grandes
linhas, constitui apenas uma contribuição para a empreitada de ajustar a ação
dos socialistas aos novos delineamentos e às novas possibilidades que a
sociedade atual apresenta, a partir da convicção de que, se o PSOL repetir a
experiência dos núcleos dos partidos socialistas anteriores, terá o mesmo
destino
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